A empresa Brisanet, que oferece serviço de internet banda larga no Nordeste, é investigada pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) e pela Secretaria de Fazenda do estado por suposto crime de sonegação fiscal, apurou o UOL. Na quinta-feira (29) a empresa fez sua oferta inicial de ações (IPO, em inglês) na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), mas essa investigação não estava detalhada no prospecto que deve ser apresentado aos investidores e à CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
No prospecto, devem ser apresentadas todas as informações sobre a companhia, inclusive riscos para o investimento, como eventuais processos de investigação ou ações judiciais. Caso a CVM entenda que essa informação deveria estar incluída no prospecto, a empresa pode ser punida. As sanções podem ir de uma advertência até a proibição de atuação no mercado. A Brisanet mencionou outras questões legais, mas não essa investigação.
As investigações, que estão sob sigilo, apuram suposta prática de fraude na descrição dos serviços prestados. A empresa estaria emitindo notas fiscais de serviço como prestadora de suporte técnico em tecnologia da informação, e não como prestadora de serviço de banda larga de internet.
A diferença faz com que as operações paguem ISS (Imposto Sobre Serviços), e não ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Com isso, a firma pagaria menos impostos porque a alíquota de ISS varia de 2% a 5% e a de ICMS é de 7%.
A reportagem procurou a empresa na semana passada por email, mensagens de WhatsApp e por telefone, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Se fraude for comprovada, MP pode oferecer denúncia ao Judiciário
Estimativas preliminares indicam um prejuízo de R$ 14 milhões aos cofres públicos do estado. Procurada, a Brisanet não se manifestou.
O caso é investigado pela promotora Renata Luz, titular da Promotoria de Crimes Contra a Ordem Tributária do MP da Paraíba, que recebeu a denúncia em agosto de 2020. Procurada, ela não quis se manifestar. A reportagem procurou a promotora por e-mail, por mensagem de WhatsApp e por meio da assessoria de imprensa do MPPB.
O secretário-executivo da Receita da Secretaria de Fazenda da Paraíba, Bruno Frade, declarou que, em razão do sigilo fiscal determinado por lei, não pode falar sobre processos de investigação ou fiscalizações e nem confirmar se as investigações existem.
Caso fique comprovada a sonegação fiscal, a Receita poderá autuar a empresa e o MP poderá oferecer uma denúncia ao Judiciário. Se a investigação não encontrar provas que comprovem a suposta fraude, o processo é arquivado.
Empresa fez estreia na Bolsa em 29 de julho
As ações da Brisanet (BRIT3) estrearam na Bolsa na quinta-feira (29). Os papéis da companhia fecharam o primeiro dia praticamente estáveis, em leve alta de 0,07%, após chegarem a cair 9,77% ao longo do pregão.
O preço da ação saiu a R$ 13,92 no IPO, no piso da faixa estimada pelos coordenadores, que ia até R$ 17,26 cada. Ao todo, a transação totalizou R$ 1,435 bilhão.
Beneficiada por regulação menos exigente
Enquadrada pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) como prestadora de pequeno porte (PPP), com participação de mercado nacional inferior a 5%, a Brisanet cresceu com baixa concorrência no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Como PPP, as exigências regulatórias são menores que as de concorrentes como Claro, Vivo, Oi e Tim.
A empresa se especializou em oferecer internet banda larga para municípios com menos de 100 mil habitantes. Essas localidades foram historicamente ignoradas pelas grandes empresas do setor pelos altos custos de levar infraestrutura e tecnologia.
Investigação não está relatada em prospecto de IPO
As empresas que querem vender ações na Bolsa são obrigadas a apresentar aos investidores e à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), um prospecto preliminar do IPO, declarou Ricardo Rocha, professor de Finanças do Insper.
Nesse documento, devem ser apresentadas todas as informações sobre a companhia, inclusive riscos para o investimento, como eventuais processos de investigação ou ações judiciais.
O prospecto da Brisanet, entretanto, não cita as investigações do MP e da Secretaria de Fazenda da Paraíba.
Rocha declarou que os apontamentos são feitos, mesmo quando a investigação é sigilosa, se a empresa já foi notificada pelo órgão público.
“Os apontamentos das contingências trabalhistas e tributárias são comuns nos prospectos. O fato de a empresa ser investigada ou estar enfrentando um processo trabalhista ou tributário não impede que ela possa abrir capital. Mas todos os riscos devem ser apontados para os investidores para que eles não sejam pegos de surpresa”, declarou.
Referência sobre outros processos
No prospecto, a empresa menciona a existência de sete processos tributários, citando risco de perda de até R$ 1 milhão, mas não menciona a investigação sobre sonegação (que ainda não virou um processo).
Leia essa parte do prospecto:
“Em 30 de abril de 2021, a Companhia e suas controladas figuravam como parte em 7 processos administrativos e judiciais de natureza tributária. Estes processos versam, principalmente, sobre (i) execução de multa aplicada pelo PROCON; (ii) execução de multa referente a auto de infração;e (iii) exclusão de cobrança indevida de contribuição para o Fust e Funttel.
De acordo com a análise dos advogados externos da Companhia, em 30 de abril de 2021, o valor total envolvido nos processos com chance de perda remota, possível e provável era de aproximadamente R$5 mil, R$1 milhão e R$2 mil, respectivamente.”
Segundo Ricardo Rocha, cabe ao investidor analisar a situação de uma empresa. Se ele está disposto a correr mais riscos em busca de retornos maiores, pode aplicar em companhias que eventualmente sejam investigadas pelos órgãos públicos. Os mais conservadores devem procurar proteção em outros ativos, como na renda fixa.
Empresa é obrigada a prestar todas as informações, diz CVM
Procurada, a CVM afirmou que não comenta casos específicos. Apesar disso, o órgão informou que a empresa que decide abrir capital tem a obrigação de elaborar e colocar à disposição do público investidor o prospecto da oferta.
“Além disso, o ofertante é o responsável pela veracidade, consistência, qualidade e suficiência das informações prestadas por ocasião do registro e fornecidas ao mercado durante a distribuição”, afirmou a CVM.
Em caso de descumprimento dessas regras, as punições para as empresas vão desde advertência até proibição de atuação no mercado de valores mobiliários. As sanções, entretanto, são aplicadas pela CVM com base na análise do caso concreto, por meio de um processo administrativo sancionador, em que a empresa é ouvida e tem amplo direito de defesa.
A CVM também declarou que investidores, outros participantes do mercado e o público em geral podem enviar reclamações, denúncias e consultas ao órgão.
UOL